Place des Vosges

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sexta-feira, 8 de junho de 2012

O trem do terror

Lá estava eu, há 2 meses e 05 dias fazendo mochilão na Europa, viagem que, pelos meus planos, ou falta deles, deveria durar 6 meses. Há alguns dias eu já coordenava a minha rota pensando em uma única preocupação: eu precisva renovar o meu visto da União Europeia.
Para quem não sabe, nós brasileiros recebemos um visto de 90 dias na Europa, isso é, se tivermos um histórico bom de entrada e saída nos países, ou se o oficial de imigração for com a nossa cara. Faça as contas e você verá que o meu prazo realmente estava prestes a expirar.
Na época o meu irmão estava estudando na Itália e estava com o mesmo problema que eu, com a diferença que ele chegara 10 dias na minha frente, ou seja, o prazo dele estava realmente na reta final.
Tínhamos algumas opções: Suiça, Escandinávia e Leste Europeu (leste leste mesmo), países que, quem não fugiu da escola sabe, não pertencem a União Europeia. Pois bem, conversamos e eu já descartei a Escandinávia, pois se as regras fossem como no Reino Unido, que eu já tinha tentado, para a imigração não vale como pisar fora da UE.
Nós realmente não queríamos nos aventurar na Bósnia, Romenia e países fronteiriços, então antes de entrar em panico fizemos um acordo: Eu estava na Alemanha, deveria encontrá-lo na Itália e como o trem passaria pela Suiça eu faria o teste se eles carimbariam ou não o meu passaporte. Ótimo plano, muito inteligente, porém nada feito. Entrei e saí da Suiça e nem meu passaporte olharam. Conclusão: "Di, vamos para a Croácia".
Lembrem-se, estávamos em 2005, não havia SmartPhones, GPSs eram caríssimos, a internet era precária e viajar era mais emocionante e misterioso do que atualmente. Para completar, para ser sincera eu nem sabia direito onde ficava a Croácia, só sabia que era o país mais próximo que estava fora da UE. Lá fomos nós, compramos o passe de trem Veneza - Ljubjana (Eslovênia) - Zagreb (Croácia) e salve-se quem puder, ou voltem para o Brasil imediatamente.
O primeiro trecho foi tranquilo, milhares de turistas voltando de lua de mel em Veneza, viagem curta, trem bacana, beleza. Quatro horas de espera na estação eslovena, altas horas da madrugada, chega o trem do terror. O Di só olhava para mim e o olhar dele já traduzia exatamente o que eu estava pensando "vamos mesmo ter que entrar nisso aí?". Combinamos que, devido à precariedade do nosso meio de transporte, ao horário e ao nosso caga** não conversaríamos em português lá dentro, aliás, não nos comunicaríamos, a não ser em uma situação de emergência.
Encontramos nossos lugares marcados e nosso único companheiro de vagão encontrava-se deitado em duas cadeiras, com a camisa levantada e coçando a barriga que estava a mostra. Olhou para a gente, fez cara de poucos amigos e continuou a coçar a pança. Sentamos em silêncio e assim ficamos.
Umas 4 estações depois percebemos que um grupo de atletas havia entrado no trem. Eram vários deles, todos com uniforme esportivo, carregando malas, bolas e equipamentos, falavam alto em uma língua não identificada. Alguns deles compartilharam o vagão com a gente, sentaram e começaram a beber. Na verdade eles já estavam bastante alcoolizados e mantinham a cachaça com altas bebedeiras a bordo. Eu nem olhava para o meu irmão, pois nos conhecemos bem e sabíamos que íamos cair na gargalhada.
Tudo corria divertidamente bem quando alguns desses atletas resolveram puxar papo com a gente na língua não identificada. Panico! O Di se fingiu de surdo, eu me fingi de desentendida, mas eles insistiam. Quebramos nosso acordo, conversamos com a equipe manguaça e quando perguntaram de onde éramos, par anosso espanto a reação deles foi:
- "Brazill!!!!! Ohhh, VOLLEY"
Oh yeah, esqueçam o Ronaldo, Pelé e Kaka. Realmente estávamos rumo ao leste. Brasil = Volei!
O tempo passava, eles bebiam e até o moço da blusa levantada e coceira na barriga entrou no papo. Bebado que é bebado fala de tudo, isso é universal, no trem rumo ao leste europeu não poderia ser diferente. Eles falava, caíam, brigavam entre sí, chamavam a nossa atenção até que finalmente o trem parou e o som das botinas dos policiais nos indicava que estávamos cruzando a fronteira. Viva!
Quando os oficiais de imigração chegaram na nossa cabine foi um caos total. Os esportistas já estavam tão bebados que não conseguiam ficar de pé, não achavam o passaporte, os policiais foram se irritando, eu, meu irmão e o amigo da barriga de fora fomos nos encolhendo, o técnico do time apareceu e nós só pensávamos em uma coisa: carimba meu passaporte pelamordedeus!
A situação parecia estar mais sob controle, o guarda veio em nossa direção quando um dos bebuns que caminhava pelo trem, tropeçou em uma mala e voou longe. Foi a gota d'água para o policial e eu não conseguia parar de rir. O policial sumiu, os funcionários da plataforma começaram a apitar indicando que o trem ia embora e nós começamos a suar imaginando que apesar de toda a aventura não saíriamos oficialmente da União Europeia. O trem deu uma andada, parou e logo apareceu em nossa frente uns três policiais. Eles olharam para mim (sempre eu, sempre eu!) e falavam alto e grosso na língua local. Eu não entendi e empurrei meu passaporte. Ele empurrou de volta em minha direção e falou alto e grosso de novo. Assim ficamos por alguns momentos, panico de novo, até que o bebado que quase foi expulso do trem apareceu e pensei "agora ferrou de vez". Para minha surpresa ele falou em um inglês macarronico:
- "Ele quer saber a sua data de nascimento"
Respondi em inglês. Os policiais falaram alguma coisa para ele e então ele me disse:
- "Não, ele quer ouvir a sua data de nascimento na sua língua local"
Com medo respirei fundo e em um alto e claro português eu disse: DOZE DE DEZEMBRO DE MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO.
Palmas! Sim... palmas, uma salva de palmas para mim, vinda dos três policiais, do bebum e do homem que coçava a barriga e que resolveu entrar na festa. O Di teve que fazer a mesma coisa e depois da salva de palmas do meu irmão nossos passaportes foram carimbados e estávamos oficialmente fora da União Europeia! Sinceramente eu penso que se os policiais tivessem uma máquina fotográfica esse seria o próximo passo.
Daí pra frente foi só festa, ficamos famosos e todo mundo do trem queria saber quem eram os Brasileiros que estavam no trem e que diachos fazíamos por lá. Conversamos com uma tonelada de pessoas e, para nosso alívio, a turma da bebedeira caiu em um sono pesado e no meio do caminho nós descemos em Zagreb.
Bom, depois disso tudo deu certo, passamos uns dias na Croácia, voltamos para a União Europeia e completamos as devidas viagens.
Bons e divertidos os tempos em que o leste europeu era um mistério a parte!
PS: as últimas notícias que tivemos é que hoje não se pode mais renovar o visto dessa maneira, agora é preciso realmente voltar para o Brasil, portanto se alguém planeja ficar um tempinho extra na Europa é bom se informar melhor a respeito.

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