Place des Vosges

Place des Vosges

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Chilique em público!

Já que no último post o assunto foi avião, vamos continuar na linha "meios de transporte" e escrever sobre barcos!
Carnaval 2013, lá estávamos nós em Paraty (RJ) e algo não saia dos meus pensamentos, como um mantra, ou funk, que por mais que você tente, fica ecoando internamente: passeio de barco, passeio de barco, ommm. 
Isso tudo, primeiramente porque não tem praia urbana legal em Paraty e em segundo lugar, que deveria ser o primeiro, é que qualquer pessoa que sabia do nosso destino carnavalesco repetia as palavras mágicas: tem que fazer passeio de barco! (Passeio de barco, passeio de barco, ommmm).
Primeiro, segundo, terceiro dia de viagem e nada de passeio marítimo. Exploramos as praias próximas, fiz o momento adolescência revival em Trindade, trilhas, bloquinhos e enquanto isso eu olhava para o mar e via as pessoas navegando para lá e para cá. Eis que chega o nosso momento!
Escolher a navegação foi fácil, não havia mais muitas opções, a não ser escunas. Escunas em carnaval especificamente me lembravam de uma vez em Buzios, também na festa do rei Momo, em que fizemos o passeio na tal navegação que oferecia caipirinha grátis e estava abarrotada de argentinos. Quando vi, todos circulavam em trenzinho cantando de Macarena a axé anos 90, meio que um mix de spring break com banheira do Gugu. Como era a nossa única opção em Paraty, lá fomos nós.
Acordamos cedo, fomos para o porto e, depois de muita procura lá estava o nosso barco: abarrotado. Acho que se havia uma capacidade máxima de pessoas a bordo nós estávamos muito perto disso. Tentamos  no segundo andar, no primeiro, na popa, proa e nada: não havia lugar para sentar! A buzina tocou, anunciaram que iríamos partir, olhei para um lado e para o outro e fiz a única coisa que me restava: sentar no chão, debaixo do sol, pele com pele com outras pessoas. O barco partia a medida que meu mau humor vinha. Ao meu lado um outro passageiro se queixava: "estou em um navio da imigração", não dava para não rir, era mais ou menos assim que me sentia.
Conforme o barco andava iam anunciando as belas paisagens que nós, do chão, não conseguíamos ver. Minha visão se limitava ao casal da frente de cara emburrada, às pernas do Alê, que estava de pé, e a uma figura engraçada que entrou, sentou no meio da multidão anunciando que era o cantor de música ao vivo. Para deixar as coisas ainda mais tumultuadas, uma pessoa da tripulação foi até onde estávamos e descarregou um monte de coisas atrás de nós anunciando: pessoal, quem quiser mergulhar pode pegar macarrão flutuante aqui na frente. 
É engraçado que nesse tipo de passeio sempre tem o tiozão legal da turma que resolve fazer amizade custe o que custar. Ao mesmo tempo que ele se apresentava e puxava papo com todo mundo ele ia dançando, cambaleando, batendo palmas e pedindo mais animação de todos e tumultuando a situação ainda mais!
O barco fez a primeira parada e uma multidão correu em nossa direção para pegar os tais flutuantes. Entre pernas e braços eu tentava levantar ao som do cantor "peguem um só, tem para todo mundo, um por pessoa, por favor". Passado o tumulto consegui levantar para, pela primeira vez, ver o mar. Mergulhamos, demos umas voltas na praia abarrotada de passageiros do meu navio e quando voltamos torci para que alguns ficassem esquecidos naquela praia. Doce ilusão. Agora além de apertados estávamos todos molhados e assim continuou a saga.
Todos a bordo, barco partindo, o cantor anuncia: "Atenção, teremos almoço a bordo. Quem quiser almoçar faça a reserva no bar do navio" e todos saíram correndo para o bar. Ufa, pelo menos alguns instantes de desaperto. Mais algumas paradas, mais salve-se quem puder para pegar flutuante e algumas horas depois, com todos a bordo, mais um anúncio: "Agora é a hora do almoço, quem reservou prato venha retirar". Como havíamos optado por comer depois do passeio, pensamos: vamos mergulhar e curtir a praia enquanto isso. Que nada, estávamos em alto mar e não podíamos descer! Sentada no cais, minha visão agora se limitava às pessoas brigando pelo prato de comida. Havia muitas famílias e a desculpa sempre era "eu primeiro, estou com criança, estou com idoso, estou com isso, aquilo, etc". Enfim, almoço servido, todos comendo e o cantor dá o ar de sua graça de novo: "Atenção, temos mais 7 filés de peixe, quem quiser venha solicitar no bar" e daqui a pouco "Olha só, só tem mais três, venham logo..." e a saga infernal passou quando acabou a comida da cozinha e todos estavam alimentados. E o passeio continua!
O tiozão amigo de todos agora estava bodiado, graças a Deus parou de agitar o pessoal, mas no lugar dele entrou uma família que estava comemorando bodas de sei lá quem. Fizemos mais uma parada e quando o barco saiu e foi anunciada a última atração do passeio, com direito a ver peixinhos e tudo mais. Os passageiros que até então estavam agitando aquela bagaça agora estavam cansados e pediam para pular a parada e voltarmos para o porto. "Chega de paradas, vamos voltar, estamos com criança, com isso, com aquilo, etc., ninguém mais quer parar". O cantor deu razão para eles e disse que poderíamos voltar se fosse do desejo de todos, mas que se uma única pessoa quisesse continuar o trajeto, assim deveria ser. Eu estava cansada, com fome, de saco cheio daquela multidão, mas a única coisa que valia a pena naquela porcaria de escuna eram as paradas. Não tive dúvidas, assim que o cantor perguntou "Se alguém quiser continuar o passeio e fazer a última parada, por favor levante as mãos". Levantei o mais alto que pude, quase dei um salto! Muitos me olharam de cara feia, a maioria, mas era o meu momento de revanche! Rá tiozão amigo da galera, agora me aguente!! Rá quem me empurrou para pegar flutuante, agora morram de tédio enquanto vou lá mergulhar com os peixes! Rá, riram de mim sentada no cais, agora vou nadar e enrolar na água o máximo que puder! Rá para todos, já que fiquei o passeio inteiro sem ver paisagem, exprimida e sendo pisoteada, vou curtir pelo menos um mergulhinho!
Findo o passeio voltei para o meu bom e velho chão do barco e, quando achávamos que nada poderia piorar, começou a chover! Resolvi ficar de pé e me cobrir com a canga. Enquanto olhava o mar passou por nós uma lancha com jovens bebendo Stella Artois e ouvindo música boa. Quase me atirei rumo ao afogamento, preferia não ter visto essa. Enfim...
Cansada, sol na cabeça o dia todo, fome, chuva na minha cabeça no momento, gente sambando e tumultuando a todo momento, finalmente vi o porto. Ah que alegria! 15, 20, 30 minutos perto do porto e nada da escuna parar. Todos se amontoando perto da saída, eu cada vez mais exprimida e nada daquela coisa parar. Eu estava no meu limite da paciência, no auge da decepção do passeio e o cantor começa: "Vamos lá pessoal, todos juntos: Aaaaiii aiiii ai ai, tá chegando a hoooora". Explodi! Incrivelmente surtei e gritei "Pelo amor de Deus, para essa coisa logo, quero desceeeeeeer, que inferno!!!!!!!". Silêncio total, todos me olhando. Vergonha, mas alívio pelo desabafo. Coloquei os óculos e fiz carão, deixa estar. Finalmente o barco parou e fomos embora. E assim foi meu primeiro chilique em público!
Sei que quando nos indicaram o passeio de barco (passeio de barco, passeio de barco, ooom) não era isso que queriam que acontecesse, assim como também sei que nem todos os passeios de escuna são assim, o problema era realmente a lotação do carnaval! Veja o lado bom disso tudo, agora preciso voltar para Paraty, refazer o passeio e tirar a limpo essa história, ter uma boa experiência - dessa vez sem surto!