Place des Vosges

Place des Vosges

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Dos tempos em que escrevíamos cartas

Eu não acreditava muito nessa história de quebra das fronteiras, achava tudo um exagero da mídia e das pessoas. Doce ilusão, as previsões foram confurmadas: tudo ficou próximo, a fácil acesso e, na minha opinião, menos misterioso. Na parte social então, com o avanço das tecnologias, especialmente a internet, essa questão ficou ainda mais acentuada. Acompanho dia após dia amigos se aventurando pelo mundo (inclusive eu) e que vira e mexe aparecem nas redes sociais, ou em blogs (cof, cof), contando em tempo real o que está acontecendo, provando com fotos, vídeos e textos. 
Apesar de tudo, como boa moça do século passado, concluo que felizes são aqueles que viajaram quando não existia nada disso.
Nas duas viagens mais longas que já fiz, daquelas de ficar mais de 06 meses fora, não havia nada dessa tecnologia, especialmente no meu intercambio, e é por causa dele que comecei esse post.
Era início dos anos 2000, mais especificamente no ano de 2001. Eu era uma das poucas privilegiadas entre meus amigos que tinha total acesso a internet em casa, o que não me deixava em vantagem no quesito comunicação quando fui morar fora. Aliás, uma notinha explicativa, meu e-mail é yahoo.com (sem o br) porque na época não existia yahoo Brasil. Non existe. No. Nada. Sorry. E era isso aí.
Mesmo nos EUA, que sempre foram mais avançados tecnologicamente do que nós, a internet era discada (barulhinho bizarro para conectar) e as pessoas acessavam os e-mail uma ou duas vezes na semana apenas para ver se havia alguma novidade. Meus amigos no Brasil não tinham e-mail. Para se ter ideia a minha escola de lá não tinha site, aliás, quase ninguém tinha site, e para contextualizar ainda mais a situação tecnológica da época, todos os meus formulários de intercambio eu tive que preencher na máquina de escrever. Faz 10 anos isso, por incrível que pareça, antes que vocês pensem que eu esteja falando da década de 50. Como as circunstâncias apontam, eu não tinha muita opção para falar com os amigos e família quando fui morar nos EUA: carta ou telefone fixo - caríssimo na época - e vale lembrar que o celular ainda estava engatinhando.
Pois então, simbora escrever cartas! Era divertidíssimo. Minhas cartas eram meus prêmios, quantas vezes eu não voltava da escola e corria para a escada que levava ao meu quarto, local onde minha host mother deixava todas as correspondências que vinham para mim, procurava os envelopes desesperadamente e que alegria era ver aquelas cartas me esperando! Claro, as notícias sempre vinham desatualizadas, mas era como receber um pedacinho de cada amigo, cada tia, minha família! A gente fazia uma confusão só, pois as vezes eu escrevia falando que estava triste e um mês depois vinha uma carta para me animar, mas quando ela chegava eu mal lembrava o que é que eu tinha escrito, pois tudo já estava bem. Ou então eu escrevia contando que o Halloween estava próximo, mas quando me respondiam, essa data comemorativa já havia passado há muito tempo. Sem contar que quando sobrava um dinheirinho, ou em datas comemorativas,  junto no envelope eu colocava lembrancinhas, doces, fotos (tinha que revelar as fotos - aiii era uma loucura) e em ações recíprocas meus amigos e eu dedicávamos momentos de nossos dias enfeitando o papel, o envelope e pensando muito antes de escrever.
Daí veio o 11 de setembro, ataque terrorista e a onda do Antrax que fez os correios americanos fecharem por algum tempo. Fiquei sem falar com as pessoas no Brasil por causa disso, as correspondências todas eram suspeitas e para mim foi um apagão da comunicação. Como foi triste! Eu nem me importava com as ameaças terroristas e o perigo do pó branco que vinha nos envelopes, eu só queria comunicação com o Brasil!! Com o passar das semanas o correio voltou a ativa e as cartas vinham em maços para mim, já que foram se acumulando durante o tempo em que o correio ficou fechado. O auge dessa comunicação no papel deu-se no Natal, quando minha mãe me enviou uma caixa com doces brasileiros, incluindo 3 potes de requeijão!!!!!!
Como era bom! Como era divertido! 
Apesar de todo saudosismo eu também sou fã da tecnologia e muito agradecida por todas as oportunidades que ela nos permite na questão da comunicação, o que inclui esse blog. Também acho menos sofrido receber uma resposta instantânea do que aguardar meses pelo correio, mas sinceramente eu também sou muito grata por ter experienciado a comunicação através de cartas na época em que morei fora. Apesar de todas as vantagens da internet, eu admito que eu sempre fui muito melhor em manter contato quando toda a coisa era feita no papel.
Minhas cartas, guardo todas!!
Esse post é especialmente para vocês, queridos amigos e família, que fielmente pararam manhãs, tardes e noites, durante meses, para me dar um sinal de vida, provados em papel, tinta e muito carinho. E também para você, viajante da era da tecnologia, espero que você também tenha tido a sorte de fazer relatos de viagem no papel e aguardar o carteiro ansiosamente!
God save the letters!
OBS: Esse post me lembra uma crônica do Antônio Prata em que ele diz que hoje o carteiro mudou de papel: antes ele era o portador das notícias, uma figura pela qual esperávamos ansiosamente, hoje ele é o vilão, só traz contas e problemas.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O trem do terror

Lá estava eu, há 2 meses e 05 dias fazendo mochilão na Europa, viagem que, pelos meus planos, ou falta deles, deveria durar 6 meses. Há alguns dias eu já coordenava a minha rota pensando em uma única preocupação: eu precisva renovar o meu visto da União Europeia.
Para quem não sabe, nós brasileiros recebemos um visto de 90 dias na Europa, isso é, se tivermos um histórico bom de entrada e saída nos países, ou se o oficial de imigração for com a nossa cara. Faça as contas e você verá que o meu prazo realmente estava prestes a expirar.
Na época o meu irmão estava estudando na Itália e estava com o mesmo problema que eu, com a diferença que ele chegara 10 dias na minha frente, ou seja, o prazo dele estava realmente na reta final.
Tínhamos algumas opções: Suiça, Escandinávia e Leste Europeu (leste leste mesmo), países que, quem não fugiu da escola sabe, não pertencem a União Europeia. Pois bem, conversamos e eu já descartei a Escandinávia, pois se as regras fossem como no Reino Unido, que eu já tinha tentado, para a imigração não vale como pisar fora da UE.
Nós realmente não queríamos nos aventurar na Bósnia, Romenia e países fronteiriços, então antes de entrar em panico fizemos um acordo: Eu estava na Alemanha, deveria encontrá-lo na Itália e como o trem passaria pela Suiça eu faria o teste se eles carimbariam ou não o meu passaporte. Ótimo plano, muito inteligente, porém nada feito. Entrei e saí da Suiça e nem meu passaporte olharam. Conclusão: "Di, vamos para a Croácia".
Lembrem-se, estávamos em 2005, não havia SmartPhones, GPSs eram caríssimos, a internet era precária e viajar era mais emocionante e misterioso do que atualmente. Para completar, para ser sincera eu nem sabia direito onde ficava a Croácia, só sabia que era o país mais próximo que estava fora da UE. Lá fomos nós, compramos o passe de trem Veneza - Ljubjana (Eslovênia) - Zagreb (Croácia) e salve-se quem puder, ou voltem para o Brasil imediatamente.
O primeiro trecho foi tranquilo, milhares de turistas voltando de lua de mel em Veneza, viagem curta, trem bacana, beleza. Quatro horas de espera na estação eslovena, altas horas da madrugada, chega o trem do terror. O Di só olhava para mim e o olhar dele já traduzia exatamente o que eu estava pensando "vamos mesmo ter que entrar nisso aí?". Combinamos que, devido à precariedade do nosso meio de transporte, ao horário e ao nosso caga** não conversaríamos em português lá dentro, aliás, não nos comunicaríamos, a não ser em uma situação de emergência.
Encontramos nossos lugares marcados e nosso único companheiro de vagão encontrava-se deitado em duas cadeiras, com a camisa levantada e coçando a barriga que estava a mostra. Olhou para a gente, fez cara de poucos amigos e continuou a coçar a pança. Sentamos em silêncio e assim ficamos.
Umas 4 estações depois percebemos que um grupo de atletas havia entrado no trem. Eram vários deles, todos com uniforme esportivo, carregando malas, bolas e equipamentos, falavam alto em uma língua não identificada. Alguns deles compartilharam o vagão com a gente, sentaram e começaram a beber. Na verdade eles já estavam bastante alcoolizados e mantinham a cachaça com altas bebedeiras a bordo. Eu nem olhava para o meu irmão, pois nos conhecemos bem e sabíamos que íamos cair na gargalhada.
Tudo corria divertidamente bem quando alguns desses atletas resolveram puxar papo com a gente na língua não identificada. Panico! O Di se fingiu de surdo, eu me fingi de desentendida, mas eles insistiam. Quebramos nosso acordo, conversamos com a equipe manguaça e quando perguntaram de onde éramos, par anosso espanto a reação deles foi:
- "Brazill!!!!! Ohhh, VOLLEY"
Oh yeah, esqueçam o Ronaldo, Pelé e Kaka. Realmente estávamos rumo ao leste. Brasil = Volei!
O tempo passava, eles bebiam e até o moço da blusa levantada e coceira na barriga entrou no papo. Bebado que é bebado fala de tudo, isso é universal, no trem rumo ao leste europeu não poderia ser diferente. Eles falava, caíam, brigavam entre sí, chamavam a nossa atenção até que finalmente o trem parou e o som das botinas dos policiais nos indicava que estávamos cruzando a fronteira. Viva!
Quando os oficiais de imigração chegaram na nossa cabine foi um caos total. Os esportistas já estavam tão bebados que não conseguiam ficar de pé, não achavam o passaporte, os policiais foram se irritando, eu, meu irmão e o amigo da barriga de fora fomos nos encolhendo, o técnico do time apareceu e nós só pensávamos em uma coisa: carimba meu passaporte pelamordedeus!
A situação parecia estar mais sob controle, o guarda veio em nossa direção quando um dos bebuns que caminhava pelo trem, tropeçou em uma mala e voou longe. Foi a gota d'água para o policial e eu não conseguia parar de rir. O policial sumiu, os funcionários da plataforma começaram a apitar indicando que o trem ia embora e nós começamos a suar imaginando que apesar de toda a aventura não saíriamos oficialmente da União Europeia. O trem deu uma andada, parou e logo apareceu em nossa frente uns três policiais. Eles olharam para mim (sempre eu, sempre eu!) e falavam alto e grosso na língua local. Eu não entendi e empurrei meu passaporte. Ele empurrou de volta em minha direção e falou alto e grosso de novo. Assim ficamos por alguns momentos, panico de novo, até que o bebado que quase foi expulso do trem apareceu e pensei "agora ferrou de vez". Para minha surpresa ele falou em um inglês macarronico:
- "Ele quer saber a sua data de nascimento"
Respondi em inglês. Os policiais falaram alguma coisa para ele e então ele me disse:
- "Não, ele quer ouvir a sua data de nascimento na sua língua local"
Com medo respirei fundo e em um alto e claro português eu disse: DOZE DE DEZEMBRO DE MIL NOVECENTOS E OITENTA E QUATRO.
Palmas! Sim... palmas, uma salva de palmas para mim, vinda dos três policiais, do bebum e do homem que coçava a barriga e que resolveu entrar na festa. O Di teve que fazer a mesma coisa e depois da salva de palmas do meu irmão nossos passaportes foram carimbados e estávamos oficialmente fora da União Europeia! Sinceramente eu penso que se os policiais tivessem uma máquina fotográfica esse seria o próximo passo.
Daí pra frente foi só festa, ficamos famosos e todo mundo do trem queria saber quem eram os Brasileiros que estavam no trem e que diachos fazíamos por lá. Conversamos com uma tonelada de pessoas e, para nosso alívio, a turma da bebedeira caiu em um sono pesado e no meio do caminho nós descemos em Zagreb.
Bom, depois disso tudo deu certo, passamos uns dias na Croácia, voltamos para a União Europeia e completamos as devidas viagens.
Bons e divertidos os tempos em que o leste europeu era um mistério a parte!
PS: as últimas notícias que tivemos é que hoje não se pode mais renovar o visto dessa maneira, agora é preciso realmente voltar para o Brasil, portanto se alguém planeja ficar um tempinho extra na Europa é bom se informar melhor a respeito.